EPÍLOGO
[POESIA REUNIDA]

2019 - Assírio & Alvim

NOTA DO AUTOR

Talvez a vida das palavras, essa respiração de alguns, esse sopro às vezes tão alto sobre a descoloração dos dias, esse assombro que nos sacode por dentro sem peso nem medida, essa já longa existência de papel estremecido, entre fogo e gelo, entre tudo e nada, talvez essa vida ameaçada pelo verbo tão cioso das suas armas conduza ao excesso e à voragem e então um homem, aquele que escreve, aquele que se atira às chamas e acorda sobre as cinzas, aquele que pensou em silêncio, inclinando a fronte sobre a febril brancura de uma página, povoando-a de sinais puros ou equívocos, de inocências e segredos e enigmas e nostalgias, sempre ao ritmo de um coração fundo, batendo depressa ou batendo devagar, talvez esse homem pare de repente, no meio de uma dor ou de uma insónia e, hesitando ao contemplar a árdua sucessão de décadas e de livros que as atravessam, assuma dúvidas e inquietações e acabe por, bem ou mal, cortar aqui, reduzir ali, alterar ou apagar além, como um jardineiro sábio mas tímido que aperfeiçoasse pela última vez a geometria e as cores do seu jardim.
Assim decidi, bem ou mal, repito, eliminar de uma obra que seria completa, os seguintes livros:

DEBAIXO DO AZUL SOBRE O VULCÃO

O PAI, A MÃE E O SILÊNCIO DOS IRMÃOS

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU

por, a meu ver, não habitarem como todos os outros a geografia plena e coerente da minha poesia em verso, iniciada e continuada como um rio que traçou indelevelmente as suas margens e correu em consonância de tempo e inspiração para o seu destino final, para o seu epílogo decidido pelos obscuros desígnios do Cosmos ou de Deus.