Buenos Aires, 30-10-1960
Buenos Aires, 25-11-2020
Vi, escritos na relva, os mais belos poemas de uma vida.
Vi, no sul distante, numa cidade de sombras, nos acordes da sua
dor,
dois gumes do mesmo punhal, um rasto de sangue e alguns passos
furtivos, pouco antes da insónia.
Aí, ouvi a tua voz, e era magoada, e magoados eram os tangos e as
milongas, enquanto crescias.
Tu eras puro, com a beleza por dentro, essa terrível beleza que arde
no coração.
Contigo veio o júbilo e vieram as flores da magia.
De repente, tudo enlouquecia.
O mundo era um prado vertiginoso, verde e húmido, com degraus
ao alto e a demência à volta.
Mas eu sei que em junho a morte chegava depressa e ao anoitecer
batia à tua porta.
Então, tinhas de partir nas asas brancas dessa ave de pó que nos
procura.
Eu não parti, mas numa lágrima de imenso mar, disse-te adeus,
guardando-te em segredo no quarto escuro dos meus dias.
Algures, tudo passa velozmente e, em setembro, já corremos as
cortinas dos salões,
regressando ao outono, quando os cabelos começam a adquirir a
neve do tempo que passa.
Tu, que cruzas a pampa onde a saudade mata com a luz súbita da
sua lua, traz-me novas do meu amigo,
fala-me do vento que o viu crescer na villa fiorito, de costas para
a alegria.
Agora, que é tarde, só te posso recordar, sentado algures, na pedra
fria dos campos vazios.
Agora, és apenas um menino triste, abandonado pelas mãos de Deus.
JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA